quinta-feira, 31 de maio de 2012

Literatura

Como trabalhar as definições de literatura em sala de aula

Depois de entrar em contato com várias abordagens do que é literatura, a turma tem de saber o que difere um texto desse tipo de outras produções

Anderson Moço, de São João del Rei, MG
No entanto, definir o que é literatura não é fácil. São várias as abordagens possíveis e nenhuma é abrangente o suficiente - nem se basta isolada de outras. Até por isso, esse conteúdo deve ser encarado como algo estimulante e desafiador tanto para o docente como para os alunos. Literário é um conceito que depende de muitos fatores. Por isso, a prioridade tem de ser dada ao desenvolvimento do estudo, ajudando os estudantes a se aprofundarem em várias definições e desconstruí-las a fim de que construam outras e compreendam por que esse tipo de texto é tão especial. Evidentemente, não é possível ensinar tudo isso apenas falando. Apropriar-se do material literário propriamente dito é fundamental (leia o projeto didático).
Mergulho na história dos textos
Maria Tereza Gomes nasceu em São João del Rei e iniciou sua carreira no Magistério em 1993, lecionando Língua Portuguesa em escolas da rede pública municipal. Desde 2005, é professora do Centro Educacional Frei Seráfico, onde, a partir de 2007, passou a dar aulas de Literatura. Quando estudou para o mestrado em Teoria Literária e Crítica da Cultura, da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), descobriu na Biblioteca Pública da cidade o acervo completo do jornal O Domingo, que circulou no século 19, e tratava de assuntos literários. Ao se deparar com uma publicação repleta de definições de literatura, percebeu que tinha em mãos um bom instrumento didático.

Objetivo
Maria Tereza planejou fazer as turmas de 8º e 9º anos entrarem em contato com a literatura e com os textos do gênero sem se ater a (nem fazer os alunos decorarem) nomes, datas e características. Organizou um projeto para que eles se apropriassem de noções literárias, aprendessem ler textos ficcionais e não ficcionais em verso e prosa e conhecessem o acervo histórico são-joanense.

Passo a passo Para começar o trabalho, a professora propôs ao grupo pesquisar o que é literatura no jornal literário O Domingo, descobrir as definições da época e avaliar se elas continuam em voga. Para explicar como fazer a investigação, ela analisou um exemplar do periódico digitalizado com a turma. Na sequência, organizou uma visita à biblioteca da cidade para apresentar aos alunos o periódico impresso. De volta à escola, concentrou o trabalho na leitura de textos literários, relacionando o contexto de produção de cada um deles e as figuras de linguagem presentes. Em grupos, os estudantes pesquisaram em várias edições de O Domingo e em outras fontes confiáveis definições de literatura, observaram produções em verso e prosa, dissecaram essas maneiras de escrever e fizeram comparações com obras da atualidade. O resultado foi apresentado para toda a turma em seminários. O material também rendeu textos para o mural da escola e para o Jornal do Poste, outro periódico que desde 1958 é afixado em dez pontos
da cidade.

Avaliação
Os seminários foram o principal recurso avaliativo. Por causa deles, a docente acompanhou o processo de pesquisa dos alunos e analisou o que compreenderam sobre textos literários.

Investir em definições para entender o mundo literário
De acordo com o senso comum, a literatura é uma escrita ficcional. "Um dos compromissos do literário é com a imaginação e a criação, não tendo, necessariamente, relação com a realidade", detalha Ceccantini. Realmente, essas ideias não estão erradas, mas são incompletas. Quem teria coragem de dizer que a narrativa verídica de Euclides da Cunha (1866-1909) sobre a Guerra de Canudos no livro Os Sertões não é literatura do mais alto nível? Ou que os ensaios do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) não são clássicos literários?

Pensemos então em outra abordagem: literário é o texto que emprega a linguagem de forma peculiar e única. Quanto a isso, não há dúvida. Se alguém diz: "Para ser grande, sê inteiro", é fácil reconhecer que se está na presença de uma linguagem literária. Isso graças à maneira como a frase foi construída pelo escritor português Fernando Pessoa (1888-1935), ao ritmo e à escolha das palavras, que fogem do comum. Trata-se de um tipo de linguagem que chama a atenção sobre si mesma, diferentemente do que ocorre quando se escuta algo rotineiro ("Como chego à avenida Brasil ?", por exemplo).

O que orienta essa visão é a ideia de que em literatura forma é conteúdo. "As orações e o enredo são construídos de modo a transmitir uma emoção estética em quem lê", diz Bazzoni. Os significados e as interpretações são individuais. Cada um, por meio de suas experiências pessoais, pode fazer uma leitura diferente de uma mesma obra. Segundo essa linha de pensamento, a especificidade do gênero, aquilo que o distingue, é o fato de ele deformar a linguagem comum de várias maneiras, condensando, intensificando, reduzindo, ampliando ou invertendo seus significados. O problema de definir literatura apenas em relação à linguagem é que esse recurso de manipular a língua não é exclusivamente literário. Basta lembrar que, diariamente, anúncios e comerciais publicitários lançam mão dele - e ninguém se confunde achando que a publicidade é literatura.
Outra forma de enxergar a questão é conceitualizar literatura como textos bem escritos e com valor estético. É literário, então, o que é clássico? Os julgamentos de valor parecem ter muita relação com o que se considera literatura. O problema é que o valor conferido por uma sociedade a uma obra varia ao longo dos anos. O poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891), por exemplo, é considerado um dos maiores escritores da humanidade, mas, na época em que suas obras foram lançadas, eram consideradas vulgares. Foi só em meados do século 20 que, redescoberto, passou a habitar o panteão das grandes figuras literárias.

Numa derradeira tentativa, é possível também tentar usar a função da literatura para defini-la. No ensaio Direito à Literatura, o crítico literário Antonio Candido afirma que "a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade que nos torna mais compreensivos, abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante". Ou seja, de acordo com ele, o texto literário tem a função de humanizar.

Só depois de encerrada essa fase de busca e análise de definições é hora de explorar as questões estruturais e os movimentos literários, entre outros conteúdos. Assim, o sentido dos textos nunca mais será o mesmo para os alunos: eles saberão lê-los nas entrelinhas.
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário